Ciências

Da Lua a Marte no relato de um explorador lunar

Único cientista que visitou a Lua dá sugestões e prevê cenários para um voo futuro a Marte

Em julho de 1969, a superfície lunar ecoou com a vida pela primeira vez. Em uns 40 anos, Marte também produzirá o mesmo eco? O presidente americano Barack Obama reafirmou as grandes metas para vôos espaciais tripulados anunciadas por seu antecessor em 2004: aposentar o ônibus espacial em 2010, desenvolver uma nova linha de foguetes (chamados Ares), voltar à Lua por volta de 2020 e ir a Marte, talvez em meados da década de 2030. O programa é conhecido como Constellation.

No momento, os políticos estão menos preocupados com Marte que com o tempo perdido entre o último lançamento do ônibus espacial e o primeiro voo do Ares, durante o qual os Estados Unidos dependerão da Rússia ou de empresas privadas para enviar astronautas para o espaço. O que inicialmente se esperava ser dois anos passou a ser seis, e em maio, a administração Obama anunciou que o último executivo aeroespacial, Norman Augustine, liderará uma revisão do programa para avaliar como fazê-lo voltar aos trilhos.

Embora Marte ainda esteja distante, finalmente a Nasa está projetando uma nave espacial com vistas a um voo interplanetário. Os planejadores estão aproveitando a experiência que Harrison H. Schmitt relata neste artigo. – Os editores.

FOTOILUSTRAÇÃO PELA SCIENTIFIC AMERICAN; CORTESIA DA NASA (Lua e Marte)

Da Lua a Marte no relato de um explorador lunar

USANDO UMA PÁ METÁLICA, especialmente desenhada, o autor colhe amostras do solo da cratera Camelot, em 12 de dezembro de 1972. Geólogos poderão fazer o mesmo em Marte; enquanto isso não acontece, eles confiam em sondas robóticas como a Mars Pathfinder, que explorou o Ares Vallis em 1997

Montanhas maiores que as muralhas do Grand Canyon, no Colorado, erguem-se sobre o longo e estreito vale de Taurus-Littrow. Um Sol brilhante, mais brilhante que qualquer estrela já vista da Terra, ilumina o solo coberto de crateras, e as encostas íngremes das montanhas contrastam com um céu extremamente escuro.

Eu e meu colega de tripulação, Gene Cernan, exploramos esse vale de aproximadamente 4 bilhões de anos, assim como as rochas de lava vulcânica, um pouco mais jovens, e cinzas, durante três dias, em 1972 – encerrando, assim, o Programa Apollo.

Foi a primeira vez, e até agora a única, que um geólogo fez trabalhos de campo em outro mundo do Sistema Solar. Agora, Estados Unidos, União Europeia, Rússia e outros parceiros internacionais estão pensando em enviar astronautas para fazerem trabalhos de campo em Marte, provavelmente, nos próximos 20 anos. O que será comum e o que parecerá diferente para esses geólogos, os primeiros a presenciar o avermelhado amanhecer marciano?

Muitos relatos sobre as missões Apollo se concentram em seus princípios históricos e em suas conquistas tecnológicas, mas aqueles que participaram dessas missões também se lembram do lado humano, o lado “low-tech”: caminhando pela superfície, quebrando pedras com martelo geológico, carregando rochas e suportando condições adversas.

Qualquer geólogo reconheceria os princípios e técnicas de campo que utilizamos. Os fundamentos não mudaram. A meta ainda era documentar e representar graficamente a estrutura, idade relativa e alteração de características naturais, assim como inferir suas origens e os recursos que eventualmente poderiam fornecer para nossa civilização.

Sair da Terra também não mudou os princípios relacionados com o planejamento e execução de expedições, como, por exemplo, coletar e documentar amostras; aliás, esses princípios podem se tornar ainda mais importantes, à medida que visitas aos mesmos lugares se tornam menos prováveis.

Particularmente, a necessidade do toque humano, da experiência e da imaginação permanece inalterada ao tornar realidade valores científicos e humanísticos da exploração.

Para cada novo objeto que exploramos, precisamos ter em mente a experiência adquirida quando exploramos o último lugar onde estivemos – conduta que os geólogos têm repetido na Terra por mais de dois séculos.

Devemos nos perguntar sempre o que pode ser igual e o que pode ser diferente. Como a geologia, acessibilidade e estratégia da exploração de Marte, além da tripulação mais bem capacitada, se comparam com a experiência da Apollo?

CORTESIA DA NASA (Lua)

CORTESIA DA NASA (Lua)

PANORAMA DO LOCAL de pouso da Apollo 17 mostra efeitos visuais que complicaram a exploração lunar. A luz espalhada cria um halo em torno da sombra do fotógrafo Eugene Cernan, e a falta de ar e referências familiares no solo fazem com que objetos pareçam mais próximos que na realidade. O módulo lunar estava a cerca de 150 metros e a montanha atrás dele, chamada de Maciço Sul, a cerca de 8 km. O astronauta na foto é o autor deste artigo. Ao montar o experimento para estudar as propriedades elétricas superficiais, ele teve de se inclinar para a direita, porque o traje era muito duro para ele poder se abaixar.

No Campo Lunar

Efeitos extremamente complexos afetam as características geológicas da Terra. A crosta, o magma, a água e a atmosfera interagem; as placas oceânicas e os continentes se partem e colidem; objetos do espaço despencam sobre ela; e a biosfera, incluindo os seres humanos, altera a paisagem.

Na Lua, nos últimos 4 bilhões de anos, os efeitos foram majoritariamente externos, basicamente impactos de cometas e de partículas energéticas do vento solar (ver “Mistérios ainda não decifrados da Lua”, Scientific American Brasil, janeiro de 2004 e no site da SCIAM).

A ausência de atmosfera expõe os materiais da superfície ao vácuo do espaço. Meteoros e cometas, alguns tão pequenos quanto grãos de areia, e viajando a dezenas de quilômetros por segundo, atingem e modificam as rochas, fragmentos de rochas, vidro e poeira.

Esse processo produziu o que vemos como “solo” lunar: uma espécie de cobertura de detritos fragmentados e parcialmente vítrea, chamado regolito lunar, que recobre os derrames vulcânicos e as formações antigas, geradas por impactos, com dezenas de metros de profundidade.

Portanto, a exploração de campo na Lua requer que os geólogos tenham uma visão quase que de raios X. Para identificar as interfaces, ou contatos, entre as principais unidades de rocha tive de visualizar como a formação e espalhamento gradual do regolito pelos impactos alargaram e suavizaram os contrastes originais nos minerais, cor e textura das rochas.

No vale de Taurus-Littrow, por exemplo, explorei o contato entre o fluxo de basalto, de grãos finos e escuros, e as rochas fragmentadas, de cor cinza, mais velhas, conhecidas como breccias de impacto. Quando esse contato se formou deve ter sido muito acentuado – uma junção abrupta entre dois tipos de rochas.

Mas 3,8 bilhões de anos de exposição ao espaço desgastaram os contatos em algumas centenas de metros. Em outro lugar, um contato entre um depósito de poeira proveniente de uma avalanche e o regolito negro se espalhou apenas algumas dezenas de metros em 100 milhões de anos, desde que a avalanche ocorreu.

Ao entender os processos que modificam ativamente esses contatos pude determinar suas posições originais. De modo análogo, um geólogo na Terra deve determinar como a erosão terrestre dilui ou recobre os contatos entre rochas e estruturas inferiores. A identificação no campo de diferentes tipos de rochas expostas sobre a superfície lunar exige o conhecimento dos efeitos do contínuo bombardeamento por micrometeoritos.

Quando partículas com velocidades extremamente altas atingem a superfície, criam, localmente, um plasma de alta temperatura e fundem rochas no ponto de impacto.

O plasma e a rocha fundida ejetados são depositados nas vizinhanças, produzindo uma pátina fina, com uma cor castanha e aparência vítrea, formada por micropartículas de ferro que cobre toda a rocha. Assim, como um geólogo na Terra deve procurar por rochas expostas em um vasto deserto, nas regiões mais secas tive de mapear e interpretar rapidamente o que estava abaixo dessa pátina até poder lascar ou quebrar a rocha com um martelo.

As pequenas crateras de impacto que interrompem a pátina lunar contêm vidro de diferentes cores, refletindo a composição química local. Se a estrutura se formou em um mineral branco (como o plagioclásio, da família do feldspato, um dos principais componentes das rochas vulcânicas), o resultado é um vidro de um tom cinza-claro com uma distinta mancha branca, provocada pelas rachaduras do mineral. Se um mineral rico em ferro ou magnésio foi atingido, o resultado é um vidro verde. O conhecimento desse processo permitiu determinar a composição das rochas apenas pela observação.

O Que Marte nos Reserva

Em Marte os cientistas esperam encontrar efeitos que combinam aqueles que ocorrem na Terra e na Lua, uma vez que o Planeta Vermelho tem tamanho intermediário. De fato, nosso conhecimento geológico crescente sobre Marte já confirmou essa combinação de processos.

Desde as primeiras fotografias, obtidas pelas câmaras orbitais e pelas naves Viking, sabemos que as características geológicas de Marte resultam da combinação de efeitos internos e externos. Diferentemente da Lua, Marte tem uma fina atmosfera, com uma pressão atmosférica no solo de aproximadamente 1%, a pressão atmosférica da Terra ao nível do mar.

A existência dessa atmosfera muda a assinatura geológica que os exploradores terão de avaliar e observar para identificar, analisar e entender as unidades de rocha do subsolo. A atmosfera filtra pequenos meteoros e cometas – aqueles capazes de formar crateras menores de 30 metros de diâmetro.

Consequentemente, sua superfície não é coberta por crateras, como a da Lua. Em vez disso, o material dominante é a poeira levada pelo vento. Essa poeira provém de várias fontes, como rochas erodidas pelo vento, desmoronamentos, impactos e reações químicas.

Ela forma suaves dunas – que os exploradores terão de evitar –, muito parecidas com os montes de neve formados pelo vento nas planícies e montanhas da Terra. De fato, os veículos exploradores Spirit e Opportunity ficaram presos numa dessas formações.

Apesar do efeito de filtro da atmosfera, a geologia relacionada ao impacto ainda domina a superfície e o tecido próximo da superfície das formações marcianas mais expostas.

Os primeiros geólogos devem decifrar o material ejetado, as fraturas e as modificações provocadas nas rochas por impactos. Entretanto, nem todas as rochas têm relação com impactos. Em muitos vales, assim como em outras regiões, dominam camadas de rochas que se assemelham a estratos sedimentares ou vulcânicos. O regolito gerado por impacto não é contínuo, e muitos afloramentos de formações rochosas são acessíveis ao exame e amostragem geológicas normais.

CORTESIA DA NASA/JPL


EXPLORADORES Em Marte também sofrerão algumas desorientações visuais como os astronautas da Apollo. Esse panorama da cratera Gusev, obtido pela sonda Spirit no 147º dia de sua missão a Marte, mostra a luz espalhada em torno da sombra do tripé da câmara. Segundo os cientistas, a poeira na atmosfera marciana atenua a luz e faz com que a avaliação de distâncias seja mais fácil que na Lua. A base das montanhas Columbia, ao fundo, está a cerca de 500 metros.

Enquanto a Lua é seca, água líquida esculpiu o solo e criou novos minerais em Marte. Exame laboratorial de amostras lunares não identificou nenhum mineral subproduto de água, mas sensores orbitais e análise robótica de minerais marcianos detectaram uma grande variedade de argila contendo água, assim como sais na superfície que, provavelmente, se precipitaram da água.

Além disso, diferentemente da Lua, cujas rochas contêm ferro metálico não oxidado, Marte tem vastos depósitos de ferro oxidado (hematita, Fe2O3), outro sinal de processamento por água líquida (ver “Rios e lagos no passado marciano, Scientific American Brasil, janeiro de 2007; “As muitas faces de Marte”, Scientific American Brasil, agosto de 2007 e no site da SCIAM).

O geólogo marciano deve estar preparado para um espectro de minerais muito mais amplo que o que encontramos na Lua. Água também transporta materiais, esculpe vales e alguns impactos parecem ter fundido o gelo abaixo da superfície, gerando fluxos de lama.

Resumindo, o regolito marciano, em geral, consiste em materiais ejetados por impactos e detritos de fluxos de lama ou de enchentes, interestratificados com poeira carregada pelo vento. Nas regiões polares, ele também contém gelo de água e de dióxido de carbono, confirmado recentemente pela sonda Phoenix. O regolito lunar é muito menos complexo.

Como consequência dessas diferenças em relação à Lua, novos desafios estarão à espera dos geólogos de campo em Marte. Os exploradores ainda precisarão de visão de raios X; entretanto, ela será mais parecida com aquela exigida pela Terra, onde é preciso levar em conta o efeito do vento, da gravidade ou dos materiais transportados pela água. Sob outros aspectos, a exploração pode ser mais fácil que na Lua.

Imagens de Marte mostram que, embora fina, a poeira carregada pelo vento forma sobre muitas rochas uma camada pouco espessa, que as reveste como pátina, e o vento, frequentemente, limpa as superfícies, de modo que esse revestimento não será um empecilho para a identificação visual das rochas e minerais.

Uma semelhança com a exploração lunar poderá ser a distorção visual. No vácuo ou em uma atmosfera fina, nosso cérebro tende a subestimar distâncias.

Essa sensação pode ser experimentada no ar límpido dos desertos e montanhas da Terra; a ausência de objetos familiares como casas, árvores e arbustos agrava esse efeito. Neil Armstrong foi o primeiro a notar o problema depois de pousar a Apollo 11. Eu aprendi a compensar esse efeito comparando o tamanho conhecido de minha sombra com o que ela aparentava ter, e depois aumentando proporcionalmente minhas estimativas de distância em 50%.

A poeira da superfície também engana os olhos. Na Lua, ela provoca intenso retroespalhamento da luz, quando se olha na direção oposta ao Sol.

Esse efeito de oposição – que parece uma mancha brilhante e difusa – é o mesmo fenômeno observado na sombra de uma pessoa na neve ou na de um avião que sobrevoa uma floresta densa ou uma lavoura. Os astronautas em Marte terão essa mesma sensação.

O retroespalhamento da luz fornece alguma luz nas sombras, enquanto sombras observadas ao olhar na direção do Sol são iluminadas somente pela pequena quantidade de luz espalhada por outros aspectos da superfície. Tivemos de ajustar a abertura de nossas câmaras relativamente à linha do Sol em cada fotografia que fizemos. As futuras câmaras de exploração e sistemas de vídeo devem ser capazes de se autoajustar para essas condições de luz.

A Dificuldade de Acesso
Pessoalmente, senti-me muito à-vontade enquanto estive na Lua. Atribuo este nível de conforto por estar altamente motivado e treinado, e por confiar plenamente na equipe de suporte na Terra. Mas a Lua estava a somente três dias e meio de distância.

Marte, usando os foguetes químicos convencionais, está a oito ou nove meses de distância, na melhor das hipóteses. Mesmo usando propulsão elétrica ou de fusão, que tornam a jornada mais rápida pela contínua aceleração e desaceleração da nave, a viagem levará meses. Por causa do isolamento, a tripulação a Marte terá de ser muito mais autoconfiante que as lunares.

Acredito que as consequências psicológicas numa viagem a Marte não serão um problema sério. A diferença entre, no mínimo, vários meses para voltar para casa e alguns dias pode afetar algumas pessoas de maneiras adversas, mas os exploradores da Terra superaram isso e desafios piores.

Historicamente, aventureiros se distanciaram de suas casas durante períodos comparáveis aos das primeiras tripulações a Marte – e sem nenhum meio de telecomunicação. A motivação, treinamento, confiança na equipe e o instinto de sobrevivência dos visitantes de Marte serão muito parecidos com os dos astronautas do projeto Apollo.

Todos estarão extremamente ocupados com o funcionamento e manutenção da nave, atividades científicas, exercícios físicos, treinamento de simulação para tarefas futuras, atualização dos planos de exploração e muitos outros afazeres. De fato, se a história dos voos espaciais até hoje servir de alguma indicação, encontrar tempo para relaxar será o principal desafio psicológico que a tripulação enfrentará. Os planejadores das missões deverão ter isso em mente.

A primeira restrição quanto à eficiência da exploração de Marte, como foi na Lua, será o uso de um traje espacial pressurizado. O traje Apollo 7LB, utilizado durante a exploração do Taurus-Littrow, permitiu-nos realizar uma enorme variedade de trabalho de campo em ambiente muito hostil. O traje era pressurizado com cerca de um quarto da pressão atmosférica ao nível do mar na Terra.

Eu poderia correr com ele a uma velocidade de cerca de 10 km/h, em passo regular, por vários quilômetros se necessário, mantendo um passo de marcha forçada.

Com as ferramentas que tínhamos e trabalhando em equipe pudemos colher amostras, documentá-las fotograficamente e empacotá-las num tempo razoável. Em cerca de 18 horas de exploração, coletamos 112 kg de rocha e regolito. Eu teria preferido ter mobilidade nas pernas, cintura e braços, mas o que o A7LB permitia foi suficiente.

O que praticamente não funcionou, ou pelo menos gerou bastante cansaço e trauma nas mãos, foram as luvas. É preciso melhorar a tecnologia das luvas para o retorno à Lua e quando formos a Marte. A flexibilidade dos dedos era limitada, e meus antebraços ficavam cansados depois de 30 minutos de trabalho.

Era como ficar apertando uma bola de tênis sem parar. Depois de um período de oito horas de descanso, eu já não sentia dor muscular – graças à circulação cardiovascular mais eficiente em um sexto de gravidade da Terra. Mas, depois de três excursões de oito a nove horas, não tenho certeza de quanto mais suportaria com as feridas nas mãos e o dano que aquelas luvas provocavam nas unhas.

A tecnologia do traje especial pode evoluir de forma que a luva do traje, ou seu equivalente, se aproxime da destreza da mão humana, e o traje em si se torne tão flexível quanto um traje para esqui em campo aberto. Conceitualmente, assistentes de campo robóticos podem ajudar no pré planejamento de expedições.

Além disso, baseados na experiência dos astronautas que constroem a Estação Espacial Internacional, estão sendo aplicadas novas técnicas de treinamento físico que garantem um maior condicionamento dos músculos do braço para utilização contínua das mãos. Outros procedimentos e equipamentos poderiam melhorar ainda mais a eficiência das explorações.

Formando uma Tripulação

A urgência política e a natureza dos voos de teste no início do planejamento e do desenvolvimento do projeto Apollo deixaram poucas opções para a seleção de geólogos de campo experientes como membros regulares das tripulações das missões lunares.

A Nasa escolheu, prioritariamente, entre pilotos de teste profissionais e militares treinados, o único geólogo de campo, eu mesmo. Todos os membros da tripulação precisavam ter experiência e confiança no uso das máquinas e métodos necessários para voar. Não havia espaço para geólogos de campo como “passageiros”.

Isso deverá mudar a partir do programa Constellation, de volta à Lua, daqui a uma década. Exploradores de campo profissionais deverão integrar as tripulações que forem à Lua, antecipando- se à exploração de Marte. Da mesma forma que nas últimas missões Apollo, todos os tripulantes e equipes de suporte operacional receberão treinamento de campo terrestre em problemas geológicos, o mais real possível.

O tamanho ótimo de tripulação para a primeira exploração parece ser de quatro: dois pilotos profissionais treinados como exploradores de campo e engenheiros de sistemas, como foi feito com as tripulações do projeto Apollo; um geólogo de campo profissional treinado como piloto, engenheiro de sistemas e biólogo de campo; e um biólogo de campo profissional com treinamento como médico e geólogo de campo.

Com esse treinamento cruzado, o sucesso da missão não depende de uma única pessoa, mas de um trabalho de equipe. Além de estar totalmente preparado para contribuir com sua especialidade para um time integrado, cada membro da tripulação a Marte deve se sentir, completamente e sem hesitação, compatível com a estrutura hierárquica de comando.

Historicamente, grupos pequenos e isolados de exploradores conseguiram seu melhor desempenho quando trabalharam sob o comando de um líder objetivo e experiente.

As explorações marcianas serão diferentes das lunares sob vários aspectos. Primeiro, porque em virtude de a viagem ser medida em meses em lugar de dias, a tripulação deverá continuar a praticar pouso e outros procedimentos de voo durante a viagem.

Para as missões Apollo, ensaiamos pouso em um simulador no solo, e nosso último voo de prova foi pouco antes do lançamento, menos de uma semana antes de iniciarmos nossa descida na Lua. O intervalo entre o lançamento e o pouso para as viagens a Marte seria da ordem de nove meses – evidentemente muito longo sem uma atividade regular de treinamento a bordo.

Segundo, o controle de solo na Terra não será capaz de executar as funções tradicionais de controle da missão em virtude da demora nas comunicações (22 minutos num sentido).

Da Terra, no entanto, serão realizadas atividades que não requerem interação ao vivo com a tripulação, como análise e síntese de dados, planejamento semanal, monitoramento e análise de sistemas e de consumíveis, planejamento de manutenção e desenvolvimento de cenário.

As reais funções de controle da missão ao vivo precisarão ser executadas pelos próprios astronautas. Por exemplo, a missão pode consistir em duas tripulações, uma das quais desce ao solo enquanto a outra permanece em órbita para atuar como um centro de controle da missão orbital. Quando a primeira retornar à órbita, a segunda desce e explora um local diferente.

Esse grau de autonomia não é inédito. Mesmo durante o projeto Apollo, embora tivéssemos planejado atividades de exploração lunar antes do lançamento, usando fotografias, a Nasa deixou uma margem significativa de ações que as tripulações poderiam executar em caso de oportunidade.

No final do segundo período de exploração da Apollo 17, por exemplo, descobri vidro vulcânico alaranjado na borda da cratera Short, apenas 30 minutos antes do término do trabalho naquele local. Sem esperar por sugestões do controle da missão, Gene e eu começamos a descrever, fotografar e colher amostras do depósito.

Não tínhamos tempo para discutir o plano com os controladores, mas sabíamos de imediato o que deveria ser feito. Atitudes como essa serão esperadas, o tempo todo, das tripulações a Marte, e o controle da missão, na Terra, só virá a saber dezenas de minutos depois.

Uma terceira diferença com relação ao projeto Apollo é que, dependendo do custo e da importância histórica de cada missão de exploração a Marte, a filosofia deve ser totalmente voltada ao sucesso. Caso algo dê errado, os astronautas deverão ser capazes de continuar sua missão e cumprir, com êxito, seus maiores objetivos.

Teoricamente, a nave deverá levar dois módulos de descida para o caso de um falhar. Também, se ocorrerem anomalias dos sistemas ou dos softwares durante a entrada, a descida ou no procedimento de pouso, os astronautas deverão ser capazes de abortar para pouso em vez de abortar para orbitar, como acontecia nos planos do projeto Apollo. Os problemas poderão ser resolvidos posteriormente, em consulta com a Terra, desde que a tripulação pouse em Marte em segurança.

Os jovens terão o privilégio e a aventura de explorar Marte, caso seus pais e avós lhes deem a oportunidade. Não será fácil. O risco é inerente a qualquer iniciativa que valha a pena. A recompensa por obter novos conhecimentos é inestimável, mas os prejuízos por interromper a exploração seriam desastrosos.

Um adiamento maior da exploração de Marte levaria os americanos a seguir as pegadas de outros exploradores e países. Além disso, sem um esforço gradual em aprender como explorar e eventualmente se fixar em outros mundos, a própria existência humana permanecerá vulnerável ao impacto de asteroides e cometas. Curiosidade, lições históricas e nosso instinto de autopreservação, tudo nos inspira a continuar buscando novos horizontes além da Terra.

DÉCADAS PERDIDAS

Há muito tempo Harrison Schmitt argumenta que o cancelamento do programa Apollo, em 1972, foi um grande e caro erro, e o administrador da Nasa, Michael Griffin, compartilhou dessa opinião em um artigo de 2007.

Se a Nasa tivesse mantido a tecnologia Apollo, em vez de desenvolver um sistema inteiramente novo – o ônibus espacial – os escassos fundos da época teriam sido suficientes para voar quatro vezes por ano para orbitar a Terra, expandir a estação espacial Skylab e ir à Lua duas vezes por ano. Com algum avanço tecnológico, o sistema poderia ter chegado a Marte. “Se tivéssemos feito tudo isso”, escreveu Griffin, “hoje estaríamos em Marte, e não escrevendo sobre isso como um tópico para os próximos 50 anos.”

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Referências

Exploring Taurus-Littrow (What is it like to walk on another world?). Harrison H. Schmitt, National Geographic, vol. 144, nº 3, págs. 290-307, setembro de 1973.

A trip to the moon. Harrison H. Schmitt, em Where next, Columbus?: The future of space exploration. Organizado por Valerie Neal. Oxford University Press, 1994.

Apollo 17 and the Moon. Harrison H. Schmitt, Encyclopedia of Space Science and Technology. Organizado por Hans Mark. Wiley, 2003.

Return to the Moon. Harrison H. Schmitt. Springer-Praxis, 2006.

Decoding the mineral history of Mars. Vivien Gornitz. Mineral News, vol. 24, nº 2, págs. 12-13; fevereiro de 2008.

Paper astronaut: The paper spacecraft mission manual. Juliette Cezzar. Introdução por Buzz Aldrin. Universe, 2009.

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